quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

O rapaz que queria ser onda, ou a estória do Mar Cáspio

De noite o rapaz que queria ser onda ficava olhando pela janela, Nem sei quando a Lua me levará, e se imaginando onda, vivia as maiores aventuras da sua vida, sentindo os piratas, os pilotos de navio, os investigadores do mar, e até, pasme-se, os professores de natação se aventurando em seus braços aquáticos. O rapaz permanecia noite após noite sempre e infatigado, olhando a Lua. Não querias ser onda, perguntava aos colegas de escola, que, aos poucos se convenceram que o rapaz que queria ser onda só podia estar ficando louco, A gente não pode ser onda, Onda não se segura com corda, lhe respondiam, com o jogoso sorrir de adolescentes. O rapaz, convencido de que era possível beijar o mar, era possível viajar só olhando para a Lua, continuava se imaginando onda, E então nunca te imaginaste sequer onda, com a Lua te enfeitando a noite e o vento te levando até aos continentes longínquos, perguntava insistente. Os colegas, principalmente o mais velho da turma, lhe tentavam chamar a razão, Não digas essas coisas, ainda te tomam por doido, e partiam gozando. Certo dia, o rapaz que queria ser onda pediu ao seu pai, que nunca tinha visto o mar, porque, ainda não disse, mas o rapaz vivia numa região que não tinha mar, não tinha rio, não tinha água senão as de um chafarica que o Governo mandou colocar, Juntamente com o maior depósito de água do país, para mostrar que nós também pensamos em vocês, como confessaram com as pompas e nas circunstâncias da inauguração, e não escondendo a tradicional troca política do dá-cá-toma-lá o voto Nas próximas eleições não se esqueçam de quem vos deu água. Dizia eu, o rapaz pediu ao pai me mostre o mar, me dê a oportunidade de espreitar uma vez o mar e provar o sal não com a imaginação, mas com a Boca que a terra há-de me comer. O pai, depois de explicações de impossibilidades financeiras e de transporte, porque, como lhe esclarecia, Sabes bem que é difícil chegar até ao mar, daqui da nossa terra, são quilómetros e quilómetros de estrada, dias a fio, e noites de frio até chegarmos ao mar. Nisso, o rapaz não desistia, e, passados meses, como quem diria nos filmes, alguns meses depois, o rapaz que queria ser onda, voltou à carga, numa de quem não sente não é filho de boa gente, Sinto a falta do mar, meu pai, gostaria de voltar às minhas origens, quero ser onda. E o pai do rapaz que queria ser onda se suspendeu em surpresa, Que ideia meu filho, que estória essa de ser onda, perguntou. Sabe, começou o rapaz que queria ser onda, desde que conheci a Lua, que ela me fala no mar, me chama todas as noites para os lugares mais longe daqui, Cáspio, venha comigo, diz-me, quero ir com o mar até ela. E de repente dele começou a escorrer uma gota dos olhitos, a cada uma que caía, o pai do rapaz que queria ser onda dizia, Mas meu filho, ninguém pode ser onda, desista da ideia, nós nunca veremos o mar. O rapaz continuava chorando. Debaixo dele começava se ajuntando uma pequena poça igual parecia água, a maior jamais nunca vista nesta aldeia, como veio depois a confessar quem viu, pelo que o pai do rapaz se atarantou em chamados e achados, Meu filho se diabificou, se desencantou de deus. E as pessoas iam se agentando naquilo que parecia um fenómeno desnatural, Que diabos se passa nesse miúdo. O rapaz que queria ser onda sabia, tinha chegado a sua hora, ele se liquidificava começando dos pés, se ia definhando à medida que crescia aquele mistério d' água no chão, essa água que era seu destino desejado, o maior dos seus sonhos, a única riqueza que se pode ter sem perder vergonha. Num dado momento, a Lua começou a surgir, e eis que quando, Finalmente sou uma onda, gritou o rapaz que já não queria ser onda, porque se tornara uma onda e abriu leito entre as casas, a floresta e os quilómetros e quilómetros de estrada, desenrolando os fios dos dias, e os calafrios da noites até chegar ao mar. Aquele dia, ficou na memória e qual rio corria bocas, a sua fama lhe baptizou como o Dia de Cáspio. E o mar que tornou rica a aldeia tomou o nome de um rapaz, que um dia fugiu da aldeia, para dela nunca mais sair.

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