segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

De Nairóbi a Davos: a Globalização a duas vozes num mundo achatado

as notícias que dão conta de que O Mundo é Plano são francamente exageradas, se não mesmo falsas. reparem: numa mesma semana, com início no passado sábado e fim no próximo domingo, o mundo será interpretado em duas importantes arenas internacionais: o fórum social mundial e o fórum económico mundial. o primeiro reúne-se desde sábado em nairobi, no quénia; e o segundo inicia-se na quarta-feira em davos, na suiça. naquele discute-se um outro mundo possível, pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital e pela construção de uma economia alicerçada nas pessoas. neste equacionam-se as novas forças da mudança, os perigos geopolíticos, os avanços tecnológicos e os constrangimentos à globalização.
entre o social em nairóbi que caracteriza a utopia crítica de uma visão alternativa, numa busca de uma partilha equitativa da riqueza e a economia dos lucros e da riqueza que tenta alargar as conquistas da produção liberal em davos, áfrica surge em cima da mesa de ambos os conclaves: na mesa de davos, surge como potencial beneficiário de uma globalização que ainda não passou pelo continente, ou melhor, que já lá há muito atracou para encher navios de recursos naturais e aviões de talentos humanos prontos a exportar. na mesa de nairóbi, surge como o mais ilustre perdedor na luta de titãs das grandes potencias e multinacionais em busca de um paraíso de baixos custos de produção, segurança de abastecimentos e acesso a mercados favoráveis.
a verdade é que, seja em nairóbi seja em davos, áfrica parece uma impotente estátua no centro de uma praça, por onde todos passam e até apontam maravilhados congeminando projectos, estratégias e modelos de desenvolvimento, sem no entanto a estátua virar gente de carne e osso. áfrica hoje, como ontem, é apenas uma disputa e fonte de riquezas que vai trocando a alma pela promessa de um desenvolvimento adiado, hipotecando ou devorando a própria esperança num processo de neo-mercantilismo cínico, seja ele porque não contempla a riqueza pelos meios duma globalização canibalizante, seja porque insiste na apropriação de utopias cegas à criação de riquezas. riquezas essas que já não brotam do chão, das minas ou de outros buracos mais ou menos fundos, mas que provêem de tecnologias, informação e talentos humanos. riqueza essa que davos acumula a norte e que nairóbi pretende distribuir a sul.
é preciso compreendermos que, enquanto a globalização deixar vazias as barrigas de áfrica, o mundo continuará redondo e achatado. talvez mesmo um pouco chateado: seja em davos, porque o continente continuará a ser o sapo entalado na engrenagem dos lucros; seja em nairóbi, porque as utópias por si só não enchem a barriga de multidões.

Feito a 4 mãos, com Rute Martins Santos (a minha delightful amora) nos teclados.

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