segunda-feira, 21 de maio de 2007

Parabéns, África!

A poucos dias de se comemorar mais um dia de África, não posso deixar de me associar aos preparos comemorativos. Desta vez, o sabor do 25 de Maio lembra-nos as utopias sentidas há 50 anos por Kwame Nkrumah – «Procurem primeiro o reino político, e todas as outras coisas virão a seguir.» - no início da primeira onda das independências, que começou no Sudão, Marrocos, Tunísia (1956), Gana (1957) e Guiné (Konakri; 1958). 50 anos depois, muitos dirão que já/ainda não há motivos para comemorar. Ao contrário dessas vozes (adeptos de um certo afro-pessimismo), penso haver razões que nos habilitam a comemorar e festejar (há razões para o afro-reconhecimento). Com efeito, nesse período:

– Criamos uma Organização da Unidade Africana (25 de Maio, 1963), agora União Africana (9 de Julho, 2002), ligando as vontades políticas de Norte ao Sul do continente;

– Vencemos o Apartheid e começámos a criar sociedades e regimes mais abertos, mais justos;

– Iniciámos a internalização de soluções africanas (a kind of an African way) para as questões africanas;

– Criamos universidades e centros de investigação científica;

– Nos últimos anos, a economia tem crescido acima dos 5%, acompanhado pelo crescimento de exportações de 37 países para os EUA;

– Temos uma praça financeira – a bolsa de valores de Accra, no Gana – que cresce a níveis das maiores e mais reputadas do mundo (e em 2003 foi a que mais capitalizou em todo o mundo);

– O crescimento do uso de tecnologias de informação/comunicação como o telemóvel e Internet não encontra par em qualquer outra região do mundo.

Sei que estou a simplificar e a mostrar apenas uma das faces da moeda. No entanto, não estou a ser redutor: é que de onde vêm boas notícias, vem esperança! Ao contrário de outras simplificações mais bi-cromáticas (ao velho estilo preto e branco), não creio que estes 50 anos ostentem apenas fracassos: há cores de pequenos e grandes sucessos no caminho percorrido. E é por estas cores que não hesito em soprar as velas de um bolo feito de mulheres, homens, as suas ideias e um destino sempre imperfeito mas esperançoso. Parabéns, África.

domingo, 6 de maio de 2007

Uma maneira esquisita de falar: o caso do acordo ortográfico

começo por uma declaração de interesses: não tenho de fazer provas de escrita da língua, tenho um nome esquisito, com k, n’ e y; e prefiro escrever facto, óptimo, acção e outras tantas palavras de grafia lusa com todas as consoantes, sejam elas surdas ou mudas. dito isto, muitos dos ouvintes já adivinharam que vou falar do acordo ortográfico da língua portuguesa; essa lingua falada por 200 milhões de pessoas a quem por falta de paciência e respeito que o tema me merece, doravante designarei por 200.
de acordo com as últimas notícias que li, o secretario executivo da cplp – esse órgão oficial tão útil quanto fútil aos tais 200 – deseja acelerar o processo para a entrada em vigor do dito acordo. nem mais, ou dito em bom português: na mosca! o que o quotidiano dos 200 exige é mesmo um acordo de língua e o caso português é a esse título exemplar: o acordo ortográfico não desblindará a lista de 57 páginas de nomes próprios proibidos na qual a santa estupidez burocrática portuguesa incluiu como adilson, adriane, aguinaldo, ailton, baltazar, cádio, celisa, didier, elba, edmar, edmilson, holden, iasmine, idalécio, janet, karina, maribel, naomi só para citar alguns dos nomes provados e registados num ou outro dos países dos 200, são escritos em português unificado. sublinho ainda que se os ditos nascessem em portugal, teriam de receber no baptismo as etiquetas administrativas de nomes tão originais como ana, pedro, joao, antónio, joana, luís, josé e outros da mesma colheita.
o acordo também não vai acabar com a presunção legal segundo a qual um cidadão angolano, brasileiro, cabo-verdiano, guiniense, moçambicano, timorense ou santomense que não andou na escola é lusofono mas não fala português, uma vez que continuará a ter de matricular-se nas provas de conhecimento da língua portuguesa para adquirir a licença de uso e porte de nacionalidade lusa. mais!
não adivinho que a partir da entrada em vigor da dita escrita única acabem com os erros de ortografia política, com as redundâncias surdas-mudas burocrático-institucionais, com o medo acentuado de viver paredes-meias com manifestações racistas, xenófobas e nacionalistas que desunem este tão vasto univeso linguistico.mas exemplos a parte e já que em português nos desentendemos, estou convencido que os políticos têm uma maneira esquisita de falar:
falam de prioridades politiquesas esquisitas, para não dizer fedorentas, que não encontram adesão nos ouvidos do cidadão. mas pior que os políticos – e burocratas, que para efeitos fedorentos são joio do mesmo saco – são os cientistas da língua que não percebem que se é de ciência que arrogam o estatuto das respectivas carteiras e carreiras, deviam ser humildes ao estudar e ensinar a língua, a sua estrutura, a sua evolução e a sua correcção, em vez de converterem o objecto de estudo em ideologia e capricho, com mais ou menos argumentos de conveniência prática.
numa era globalizada, ser prático implica a eliminação de barreiras linguísticas impostas por burocracias claustrofóbicas que não percebem que falar português não é um fato cortado nas cortes das academias de letras; que os nomes próprios não dizem respeito apenas à falta de originalidade de que qualquer deles padeça; e que a língua comum serve para comunicar – sendo que os governos não decretam a comunicação – e, nem serve para engenharias pseudo-científicas; ser prático é apenas ser útil. por esses motivos, parece-me que o acordo ortográfico não alterará nada na vida das pessoas. ou seja, e dito em português pudico porque o serviço público desta estação a isso obriga: acho que este acordo é simplesmente medroso. devo, no entanto, esclarecer que, por uma questão de cheiro troquei a ordem do d e do r na adjecticação utilizada.

Os telhados do Sr. Branco

Doze meses passados sobre o início de funções do governo e da minoria coligada, a sentença do povo santomense não podia ser mais lapidar: este governo não presta! Os maiores partidos da oposição, a uma só voz, também condenam o fracasso do governo, que não se coíbe de puxar lustro aos seus galões e insígnias da governação. O que a oposição não vê do alto da sua miopia, é que a sentença popular «o governo não presta» é também uma sentença sobre si mesma, por ser co-responsável pelos insucessos e insatisfações compiladas no último ano.
O caso do bate boca iniciado pelo líder do MLSTP, Rafael Branco, é a este título exemplar: o líder da oposição lançou um panfleto verbal sobre a natureza criminal e aventureira dos currículos de incógnitos ministros, sem apresentar os nomes dos delinquentes comprovados e aventureiros conhecidos, refugiando-se na boca do povo. Aconteceu o esperado... e o líder do MLSTP sabe, ou devia saber, que quem com ferros fere, com os mesmos é ferido e que esse mesmo povo também já escreveu o seu currículo e sobre ele o governo despejaria os populares verbetes. Assistiu-se por isso ao transformar da arena política numa aldeia da roupa branca em que os líderes políticos se tornaram lavadeiras da sujeira pública num exercício de demagogia que apodrece a credibilidade de quem deseja ser alternativa e o MLSTP fica entalado entre a espada do ridículo e a parede da falta de ideias.
A democracia é um processo de vulgarização de histórias de sucesso. Isso garante-se através de valores, regras e instituições e não respeitar esta pauta torna-se um caso de vulgarização da rasteira, da insinuação e uma casca vazia de sucessos. No debate democrático, da oposição esperam-se políticas alternativas, credibilidade e fiscalização responsável. Pede-se que saiba escutar os apelos sociais e as implicações do poder. O pingue-pongue verbal entre o líder do MLSTP e o governo demonstra a ineptidão política para escutar esses apelos e o total desconhecimento das implicações da falta de credibilidade do actor. Não posso decretar a inscrição compulsiva dos líderes na escola democrática, mas peço que os mesmos decretem o recolher obrigatório da roupa suja e a mobilização geral da decência. É que sem decência, a nobre arte da política não passa de uma disputa podre. E como tudo o que é podre, quando nos cai em cima não gostamos do seu cheiro.