segunda-feira, 11 de junho de 2007

Uma cimeira, um ditador e um jornalista

A cimeira EU-África é um dos tópicos prioritários da agenda portuguesa para a presidência da união europeia que Portugal assume no próximo dia 1 de Julho. A decisão é reconhecida como importante, mas o consenso quanto à realização da cimeira dilui-se. É que mais uma vez, Robert Mugabe ameaça ser a espinha atravessada na garganta: de um lado, há os que defendem que a cimeira não se pode realizar com o sr. Mugabe; de outro lado, há os que defendem que a cimeira só se pode realizar com o sr. Mugabe.
Como fiel da balança, Portugal estabeleceu um critério político que separa as águas e permite as negociações para realizar a cimeira: África não é o sr. Mugabe e o sr. Mugabe não é África. Neste critério simples, está resumido um conhecimento actualizado do continente. Infelizmente, este critério, que é político e actual é rejeitado pelo director do jornal de referência português Público, José Manuel Fernandes, que considera que a realização da cimeira não pode significar a emissão de um visto de entrada ao sr. Mugabe. Com efeito, diz o sr. Director do Público, a presidência portuguesa não pode ignorar o dever de ajudar África nem o dever de exigir aos seus governos que respeitem os direitos humanos. Somente uma visão demonizada e arcaica acerca do continente pode ficar limitada aos habituais e velhos clichés – aliás, acompanhado por outro comentador de fim-de-semana no Expresso –, tomando a parte pelo todo, e não reconhecendo o lento mas sólido caminho de abertura política, que entre simulacros de eleições e verdadeiras manifestações da vontade popular, África tem percorrido, não porque se trata da tradição dos valores ocidentais mas porque as liberdades são parte do pulsar próprio das pessoas, sejam africanas ou não.
É que, se é de democracia que se fala, então porque não ajudar os povos africanos a exigirem e pressionarem os seus próprios governos, através de sanções mais inteligente? Por onde tem andado o estimado sr. Director que não tem lido o que se passa em África, o que dizem as sondagens e os estudos académicos realizados no continente nas últimas décadas?Seja lá onde tenha andado, a verdade é que a democracia e as liberdades são condições concretas de vida e subsistência dos povos: os africanos sabem-no e têm-no dito.
Alguns podem pensar que são questões de princípios e de vértebras políticas que de tão inflexíveis, devem impedir a realização da reunião. No entanto, a vida das pessoas e dos povos não se passa na abstracção do pensamento arrojado, nem nas redacções dos jornais europeus: passa-se debaixo de medidas de governos concretos, muitas vezes dispensando armaduras ideológicas, mas não as armaduras com que reprimem aqueles que os repudiam no seu quotidiano.
A diplomacia portuguesa deve fazer tudo para realizar a cimeira, venha ou não o sr. Mugabe e os seus velhos amigos: eles não representam a nova face africana e essa face não merece ser castigada pelos sucessos que tem acumulado. Mas ainda assim, juntemos mais um motivo para que a cimeira se realize: diz-se sabiamente que de intenções está o inferno cheio! Ora, a não realização desta cimeira atirará os créditos da Europa para o descrédito total e não estancará a passagem dos poucos créditos que lhe restam para mãos alheias. A cimeira é tão importante para África, que precisa de condições para que as promessas se tornem mais do que espuma, como para a Europa, que se deve mostrar à altura dos novos saberes políticos.
Para finalizar, confio muito mais naqueles amigos que se criticam olhos nos olhos sentados à mesa para decidir aquilo que verdadeiramente importa entre eles do que naqueles que, por motivos ideológicos, se recusam a dialogar. Ainda bem que a diplomacia portuguesa não se decide nos jornais presos ao passado.

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