segunda-feira, 25 de junho de 2007

O Xerife de Doha e a intuição de Robin

Lançada em 2001 na capital do Katar, a Ronda de negociação de Doha da Organização Mundial do Comércio prometia tirar milhões de pessoas da pobreza. O credo era claro: através intensificação das trocas comerciais, todos ganham! Seis anos depois, o acordo sobre o comércio mundial tarda a chegar, e Potsdam parece ter enterrado a esperança de consegui-lo a breve trecho. No pomo da discórdia continuam as divergências entre ricos e pobres em torno de acessos a mercados e subsídios à agricultura. Ao reflectir sobre os últimos acontecimentos da Ronda Doha, não posso deixar de viajar no tempo e revisitar os meus tempos de gaiato. Nesses tempos, também competíamos, exibindo as naturais vantagens competitivas individuais e colectivas. E nessa altura também todos queriam ganhar: desde o mais fraco ao mais forte. E também aí, a natureza nos dotava de capacidades diferentes que nos levava a colocar a questão: para jogarmos uns contra os outros, ou melhor, uns com os outros, basta aceitar as regras pré-estabelecidas? O jogo, a disputa, o prazer são compatíveis com um excessivo desequilíbro de forças?
A nossa resposta era a da justiça intuitiva, a das crianças. E naqueles tempos, entendíamos rapidamente que jogar exigia mais do que opor as forças de uns aos outros. Lembro-me das soluções criativas que tínhamos naquela altura: alterávamos as regras, escolhíamos equipas mais equilibradas, independentemente das proveniências, das forças, da natureza; desafiávamos a sorte, através da escolha alternada, primeiro escolhe um e depois o outro; e se ainda assim, no decurso do jogo, a vantagem de uns sobre os outros ameaçava a humilhação ou tornar o prazer numa mera disputa, o sentimento de injustiça logo assaltava ambas as equipas. E então, o golo da equipa mais fraca passava a valer dois, ou um e meio, ou estes tinham o direito a um jogador extra, ou de fazer mais substituições; ou ainda se necessário fosse, o direito de excepção a certas regras, que transpostas para o jogo dos grandes logo seriam sagradas e invioláveis. Naquele tempo, no mundo das crianças, a justiça era intuitiva e passava pelo prazer de jogar em igualdade: eram justas as regras que tornassem os fracos mais fortes e os fortes mais fracos. Infelizmente, todas as crianças crescem e quando de tornam homens de estado, a justiça deixa de ser intuitiva e passa a ser um negócio de calculadoras.
Quando nos tornamos grandes, já não interessa o prazer de ganharmos os dois, ou deixarmos de ganhar por muito. Para as crianças, perder também pode se justo e honroso. Quando crescemos, ganhar é amealharmos lucros e perder é acumular pobreza do outro lado: perder torna-se natural para os outros. É pena que os grandes quando ganham poses ou posses de Estado percam o estado de justiça e que ao crescerem, o Robin dos Bosques que vive no coração das crianças seja vencido por um Xerife de Nottinghan, que com punho de ferro empurra o sentimento de justiça para considerações que nos fazem perder o sentimento de humanidade que habita nas crianças. Essas não prometem nada! Mas, no mundo delas... todos ganham.

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