segunda-feira, 5 de março de 2007

A Responsabilidade Social das Empresas (ainda) é Aumentar os seus Lucros

um dos dados mais curiosos desta globalização é a aparente indiferença do poder económico perante a pressão dos acontecimentos de natureza política ou social adversos. no entanto, apesar dessa indiferença a globalização ainda não foi capaz de conferir legitimidade suficiente para que se opere uma deslocação e concentração dos – chamemos por facilidade – “centros de decisão” nas empresas, de modo a fazer acompanhar o poder efectivo que estas aparentemente detêm sobre os estados e as sociedades.
como instrumento de reivindicação dessa legitimidade, a responsabilidade social das empresas começa de novo a ecoar na boca de cada vez mais adeptos. o debate dos prós e contra não é de hoje e a propósito ficou célebre o artigo de milton friedman intitulado A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS É AUMENTAR OS SEUS LUCROS, no qual, em 1970, o economista dos economistas avisou que o negócio das empresas são os seus próprios negócios: o recado parecia estar dado.
hoje, no auge da globalização (ou depois dele como alguns analistas já adiantam), a responsabilidade social vai renovando as suas várias caras, sustentado pela tese de que as empresas devem assumir um maior protagonismo social, desempenhando o papel que tradicionalmente cabe ao estado e aos entes sociais intermédios, como as fundações, associações e organizações de solidariedade social.
não nego a existência de uma relativa responsabilidade, um trickle down effect, que as empresas devam assumir perante as sociedades onde actuam, uma vez que enquanto pessoas fictícias e legais, as empresas são interpostas criaturas ao serviço dos seus sócios e estes não devem ficar alheados do contributo para a construção dos ecossistemas de desenvolvimento social e laboral nos lugares que lhes permitem acumular lucros. porém, o debate ainda não me convenceu a abandonar os padrões da tradição dos compromissos sociais e os preconceitos da minha formação ética.
por isso, entendo que por mais importante que sejam as empresas na criação de riqueza e na aceleração do processo da evolução humana, a sua responsabilidade social só pode ser concebida enquanto instrumento social legítimo se resultar de um firme compromisso constitucional entre a realização do lucro e a justa distribuição do mesmo – isto é, uma mais equilibrada e justa repartição entre as rendas, os salários, os juros e os lucros, bem como os perigos, ameaças, inovação e bem-estar.
enquanto não houver um verdadeiro contrato social entre as sociedades e as empresas, mediante a qual se criem mecanismos de participação e controlo social – o que em si contraditório com a noção de empresa e propriedade privada –, a responsabilidade social das empresas não passará de tentativas de apropriação do estado e dos entes sociais intermédios por máquinas de marketing na criação do lucro. logo, será ilegítima a demissão do estado das suas funções, porque dessa forma estará, em nome do povo, a trair a missão que o mandato social o confiou.
neste contexto, uma das funções essenciais do estado será criar os regimes legais necessários para evitar que outras empresas façam como uma das maiores empresas petrolíferas do mundo que, na nigéria, em nome da responsabilidade social ofereceu bolas de futebol à uma população que vive no meio de um pântano sem sequer usufruir de casas condignas, água potável e saneamento básico.

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