realiza-se esta tarde [dia 12 de Março], no instituto de estudos europeus da universidade católica portuguesa, em lisboa, uma conferência intitulada «RECURSOS PETROLÍFEROS E DESENVOLVIMENTO EM ÁFRICA». assim que li o panfleto lembrei-me de cléudis espírito santo.
lembrei-me de cléudis, porque conheci-o na semana passada no aeroporto do sal, em cabo verde. na altura, as omnipresentes estatísticas, as promessas, os sucessos e também o deve e o haver dos comentários e das análises marcavam o compasso radiofónico do dia, assinalando um ano passado sob a tomada de posse do governo de josé maria neves, que em marcas de discurso pessoal e intransmissível mostrava ao mundo e a quem queira ver o desenvolvimento de cabo verde, os desafios que ainda faltam conquistar e as condições que precisam ser reunidas para conjugar as promessas com a realidade por todos desejados.
cléudis não é político, não é economista, não é professor e também não é comentador, nem analista. cléudis é apenas um jovem caboverdiano que trabalha numa casa de câmbios e que gostaria de ser economista, mas a sua mãe, recém viúva não pode sustentar os seus estudos superiores e por isso trabalha, para ajuda-la lá em casa. ao ouvir o balanço governamental, não resisti a perguntar ironicamente a cléudis: o que este senhor cujo nome começa por doutor afirma para acreditar?
e ele, olhando-me confiante na sua resposta, disparou: nós não precisamos de acreditar, o que é preciso é que ele faça bem as coisas. e tem feito. e seguiu-se numa análise política e social de cabo verde, sublinhando dois aspectos essenciais. ele, atrás do seu balcão acredita na educação que faz faculta a força e o empreendorismo pessoais, e tem um projecto de emprego próprio. infelizmente, a ambição de cléudis não comove os bancos que disseram-lhe que quando ele tiver um terço do montante que necessita, que regresse lá. não faz mal, disse-me, vou tentar um negócio mais pequeno enquanto não tenho dinheiro para continuar a estudar: afinal as bolsas do governo não chegam para toda a gente, suspirou.
e rapidamente rodopiou sobre este assunto passando para o seguinte aspecto. e informou-me que o baixo nível de corrupção também é essencial, frisando que a quase ausência da corrupção dá previsibilidade aos comportamentos do governo, dos políticos, do estado, e isso insufla a confiança dos agentes económicos, das famílias, dos investidores estrangeiros e dos bancos.
para concluir, abriu as janelas do futuro e proclamou olimpicamente: não tardará muito cabo verde vai ser mais desenvolvido que portugal. ao ouvir isso, desejei que não fosse só cabo verde mas também angola, moçambique, guiné-bissau e são tomé e príncipe. porque não?
felizmente, esses países têm a mesma riqueza humana e jovem que cabo verde. mas mesmo que alguns deles possuam recursos naturais importantes, não possuem os líderes de cabo verde, que olham para o seu povo como os verdadeiros titulares do poder e desempenham a sua função com a noção de que estão em comissão de serviço. em vez disso esses países têm líderes caprichosos e corruptos que vão sugando a matéria-prima das suas terras para alimentar os seus luxos, mordomias e eternizar-se como lapas na rocha do poder.
para não me perder no fio da meada, regresso à conferência desta tarde na universidade católica. e antecipo que nenhum dos senhores professores é cléudis, e por isso não falam do desenvolvimento de forma tão simples e evidente. até aposto que vou ouvir falar de democracia, boa governação, empowerment, boas práticas, investimento reprodutivo, reformas, receitas macro-económicas de bretton woods, planos geoestratégicos chineses e americanos, entrada de angola na opep, comissão do golfo da guiné, as longínquas esperanças de são tomé e príncipe e também da corrupção.
então, três horas depois, lá mais para o fim da conferência, vou pensar que mais valia voltar para cabo verde e continuar a conversar com aquele rapaz de 20 anos que quer ser economista, e que não o sendo percebe que gerir petróleo é tão fácil como gerir uma casa: apenas é preciso pensar no bem de todos e fazer bem as coisas. e aqui sentado em lisboa, imagino que lá em cabo verde cléudis me diria simplesmente: áfrica não sofre de uma maldição dos recursos, sofre sim de uma maldição de líderes.