domingo, 6 de maio de 2007

Uma maneira esquisita de falar: o caso do acordo ortográfico

começo por uma declaração de interesses: não tenho de fazer provas de escrita da língua, tenho um nome esquisito, com k, n’ e y; e prefiro escrever facto, óptimo, acção e outras tantas palavras de grafia lusa com todas as consoantes, sejam elas surdas ou mudas. dito isto, muitos dos ouvintes já adivinharam que vou falar do acordo ortográfico da língua portuguesa; essa lingua falada por 200 milhões de pessoas a quem por falta de paciência e respeito que o tema me merece, doravante designarei por 200.
de acordo com as últimas notícias que li, o secretario executivo da cplp – esse órgão oficial tão útil quanto fútil aos tais 200 – deseja acelerar o processo para a entrada em vigor do dito acordo. nem mais, ou dito em bom português: na mosca! o que o quotidiano dos 200 exige é mesmo um acordo de língua e o caso português é a esse título exemplar: o acordo ortográfico não desblindará a lista de 57 páginas de nomes próprios proibidos na qual a santa estupidez burocrática portuguesa incluiu como adilson, adriane, aguinaldo, ailton, baltazar, cádio, celisa, didier, elba, edmar, edmilson, holden, iasmine, idalécio, janet, karina, maribel, naomi só para citar alguns dos nomes provados e registados num ou outro dos países dos 200, são escritos em português unificado. sublinho ainda que se os ditos nascessem em portugal, teriam de receber no baptismo as etiquetas administrativas de nomes tão originais como ana, pedro, joao, antónio, joana, luís, josé e outros da mesma colheita.
o acordo também não vai acabar com a presunção legal segundo a qual um cidadão angolano, brasileiro, cabo-verdiano, guiniense, moçambicano, timorense ou santomense que não andou na escola é lusofono mas não fala português, uma vez que continuará a ter de matricular-se nas provas de conhecimento da língua portuguesa para adquirir a licença de uso e porte de nacionalidade lusa. mais!
não adivinho que a partir da entrada em vigor da dita escrita única acabem com os erros de ortografia política, com as redundâncias surdas-mudas burocrático-institucionais, com o medo acentuado de viver paredes-meias com manifestações racistas, xenófobas e nacionalistas que desunem este tão vasto univeso linguistico.mas exemplos a parte e já que em português nos desentendemos, estou convencido que os políticos têm uma maneira esquisita de falar:
falam de prioridades politiquesas esquisitas, para não dizer fedorentas, que não encontram adesão nos ouvidos do cidadão. mas pior que os políticos – e burocratas, que para efeitos fedorentos são joio do mesmo saco – são os cientistas da língua que não percebem que se é de ciência que arrogam o estatuto das respectivas carteiras e carreiras, deviam ser humildes ao estudar e ensinar a língua, a sua estrutura, a sua evolução e a sua correcção, em vez de converterem o objecto de estudo em ideologia e capricho, com mais ou menos argumentos de conveniência prática.
numa era globalizada, ser prático implica a eliminação de barreiras linguísticas impostas por burocracias claustrofóbicas que não percebem que falar português não é um fato cortado nas cortes das academias de letras; que os nomes próprios não dizem respeito apenas à falta de originalidade de que qualquer deles padeça; e que a língua comum serve para comunicar – sendo que os governos não decretam a comunicação – e, nem serve para engenharias pseudo-científicas; ser prático é apenas ser útil. por esses motivos, parece-me que o acordo ortográfico não alterará nada na vida das pessoas. ou seja, e dito em português pudico porque o serviço público desta estação a isso obriga: acho que este acordo é simplesmente medroso. devo, no entanto, esclarecer que, por uma questão de cheiro troquei a ordem do d e do r na adjecticação utilizada.

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