segunda-feira, 9 de julho de 2007

Supreenda-me, Mr. President

Quando na próxima 5.ª-feira o Presidente santomense tomar o palanque para proferir o seu discurso, os santomenses estarão a assinalar, com as habituais pompas de circunstâncias, os 32 anos da independência do país. Antecipando o discurso do presidente, e num exercício de quem arrisca não petisca, confesso que me falta originalidade para nesta crónica falar desses 32 anos. E receio que ambos – eu e o Presidente – seremos condenados pela banalidade e pelas palavras de mera conveniência. Talvez ele seja perdoado e comentado por ostentar o nada da marca distintiva de uma classe política falhada e impotente, enquanto eu não me consigo absolver pelo timbre amargurado de não encontrar rasto de sentido e valor de uma independência que nos condenou à pobreza e à servidão democraticamente impostas.
Quase aposto, ou melhor, aposto mesmo com coragem, que do alto do seu saber, o Presidente falará com optimismo do percurso conseguido até aqui: primeiro suspirará sobre a independência proclamada em 1975. Momento de suma importância no qual prometeram aos santomenses alinhar os astros e demais corpos celestes no traçado da história: doravante, o sonho seria nosso, o caminho estaria nos nossos braços. E depois – passados os sonhos e cansados os braços – foi-nos referendada uma democracia, oferecida com mais sonhos, mais promessas e desafios, desta vez desalinhados em vozes e partidos discordantes, sem história nem saudados do futuro. No entanto omitirá, por mera míngua de importância, o facto alguém se ter esquecido de nos dizer que zangas das comadres, as querelas e golpadas pessoais mais ou menos canalhas, mais ou menos reles, e a falta de sentido de estado dessa classe falhada traria consigo a herança colonial e um vírus neo-colonial perigoso em democracia, condenando-nos a um perpétuo estado de meninice nestas coisas do poder e de desenvolvimento.
Para, finalmente, o Presidente proclamar a nova aliança que, com a ajuda do Deus Petróleo e mais doses de corrupção – e em o Diabo não se metendo nos assuntos públicos – em breve nos saudará: a modernidade e o desenvolvimento bombeados em mangueiras, escorrendo nos barris e descarregados dos navios petroleiros. Talvez o turismo e a alta finança também façam parte dessa nova trindade da desilusão. Ou seja, o Presidente resumirá estes 32 anos de perpétuo e falhado processo de descolonização ainda em curso num discurso bem articulado que nos fará esquecer tudo e lembrar-nos de nada. Os nadas que temos para o futuro. Quase ainda arrisco dizer que o Presidente dirá que as novas promessas não podem ser exageradas e só o presente é prudente. Mesmo assim, ouvirei com interesse o seu discurso.
Surpreenda-me, Mr. President! É que, se não for esse discurso do Presidente eu pensarei como muitos: já nem nos prometem nada; já não há estado; está tudo em aberto: quase tudo como há 32 anos. Apenas estamos mais desiludidos. E nem sei se teremos forças para alinhar de novo os astros. Ainda vivemos a independência, Mr. President?

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