segunda-feira, 16 de abril de 2007

A Páscoa dos líderes

Ontem comemorou-se a Páscoa. Para os cristãos, comemorou-se a paixão e ressurreição de Cristo, que carregou a cruz e nela foi pregado num acto de fé e salvação do seu povo. Para os judeus, a Páscoa simboliza a fuga do Egipto, a odisseia de Moisés e do seu povo para a terra prometida, para escapar à submissão, à desigualdade e à indignidade. Em ambas as religiões, evocam-se os líderes que moldaram dois povos e que plantaram a raiz do que ainda hoje é parte da nossa civilização. Efectivamente, foram líderes que ao seu tempo não só atravessaram mares, desertos e subiram a montanhas, como aceitaram derramar o seu sangue em nome da salvação, em nome de um caminho, em nome de um projecto e de um destino para os seus povos. Se trago o registo destas duas figuras sobejamente conhecidas, é porque ao ouvir os telejornais, as notícias da rádio e ao ler os jornais, ouvi e li sobre a Páscoa, como celebrações religiosas e, para alguns, uma festa pagã. Não ouvi falar de uma celebração laica, a celebração da coragem de povos, a celebração da determinação dos líderes. Líderes que hoje tardam a aparecer, principalmente em África, ou em países onde a carência de projecto se faz sentir no quotidiano da sobrevivência e dos pesados desafios da existência abaixo da dignidade humana. Não me posso esquecer que enquanto falo, jazem crianças em camas de hospital com malária, um adulto é infectado com o VIH/Sida, milhares estão deslocados, centenas morrem à fome, incontáveis seres humanos são traficados como mercadoria e uma infinidade de males que indignariam Moisés e Jesus Cristo vão-se sucedendo sem que os ditos líderes da actualidade, que ostentam o título de presidentes, ministros e directores subam ao Monte Sinai ou assumam a cruz que precisavam carregar. Infelizmente, nem Moisés nem Jesus Cristo aparecerão para nos livrar desses males. Aquelas personagens históricas tomaram os seus títulos não para se servirem dos seus povos, mas parar servir aqueles que justificaram a sua liderança. Hoje temos pessoas que ostentam títulos, dizem-se Presidentes e Ministros. Alguns são eleitos e são acolhidos como líderes democráticos, mas vários ainda ostentam títulos usurpados – aqueles a quem chamamos ditadores – ou que ultrapassaram os limites desses títulos – aqueles a quem chamamos tiranos. Infelizmente, na Páscoa não pude celebrar os líderes africanos porque África sofre debaixo de uma maldição de liderança vazias de ânimo e missão. Por isso, resta-me a fé, a coragem e a ousadia cívicas para exigir aos Ministros e Presidentes que sejam mais que títulos pendurados nos seus gabinetes e que carreguem pelo menos o peso das suas responsabilidades.

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