segunda-feira, 27 de novembro de 2006

O perdão da história

À beira de comemorar os 200 anos sobre a proibição do tráfico de escravos, o Reino Unido levanta de novo o debate: deve um país que praticou o tráfico negreiro pedir desculpas pela sua História? Isto é, deve um povo, uma nação pedir desculpas por actos da sua História remota? Devem cidadãos de hoje, redimir-se de actos praticados pelos seus antepassados? E se sim, o que vale esse perdão? Os ingleses, tal como os europeus, em geral dividem-se, mas uma esmagadora maioria não deseja que o seu Primeiro-Ministro julgue a História e impute neles uma culpa que não têm. A controvérsia não é de hoje e segue-se a tantos outros perdões reclamados por vítimas de actos cruéis de outros homens, povos e tempos. Será que o perdão implica uma culpa dos vivos sobre os actos cometidos pelos mortos? Será que perdão tem apenas o vago simbolismo de expiar a culpa? Acredito que um tal pedido de perdão encerra um juízo de valores sobre o passado, acredito que esse juízo é um reconhecimento de uma ultrapassagem desses maus momentos. Mas o perdão tem também o dom de curar feridas: não se trata apenas de julgar; trata-se de absorver parte de uma História que é património – para o bem e para o mal – da nossa história colectiva. Não quero com isso fechar o debate em torno da questão, mas é preciso lembrar que alguns daqueles que exigem o perdão, na sua maioria vítimas, também foram actores, também participaram no acto grosseiro que dizimou milhões de antepassados seus. E se ainda há tempo para exigir o perdão dos outros, talvez também não fosse má ideia reconciliar os africanos com a sua própria História. Estou convencido que essa é uma das peças que falta para que os africanos reencontrem o seu próprio caminho. [Crónica transmitida na rúbrica Ao Calor de África da RDP -África de 27 de Novembro de 2006]

domingo, 26 de novembro de 2006

A suga de imigrantes com cérebro

Agora que se conhece o documento estratégico para as três próximas presidências da União Europeia, confirma-se que África fará parte das prioridades diplomáticas europeias. Com efeito, África e imigração ilegal são sinónimos de preocupação, dinheiro e medidas de cooperação. No entanto, entre as contas e cantos da relação bilateral, adivinho que a Europa não deixará de fazer o seu jogo duplo: a) fechar as portas aos imigrantes pés descalços e b) abri-las com convites dourados aos imigrantes com cérebros, especialidades, conhecimentos e técnicas para as empresas, universidades e serviços europeus. Prioritário ou não, as políticas de cooperação bilateral passarão ao lado das necessidades de também inverter esta drenagem de cérebros africanos ou de encontrar mecanismos que ajudem os africanos a criarem condições de investimento e aproveitamento dos seus melhores recursos humanos. Tarefa essa que por todos os motivos de desenvolvimento se exige prioritariamente aos africanos. Ou seja, África e Europa insistem em não entender que esta drenagem de cérebros contribui para manter o estado das coisas: um desenvolvimento baixo e uma dependência externa. Persistindo-se na delapidação das consideradas riquezas para o séc. XXI e mais uma vez relegando os manuais da história e da economia para o esquecimento, os africanos criam as condições ideiais para que daqui por 500 anos venham mais uma vez culpar a Europa pelo seu atraso, esquecendo-se que, no quadro dos desafios actuais, África não dispõe de 500 anos. É caso para dizer: o que para uns é desperdício, para outros é riqueza. Por isso, não me espanta que a Conferência Ministerial África-Europa para a Migração e Desenvolvimento realizada esta semana tenha dado mais importância à imigração ilegal e aos cálculos financeiros, do que a uma genuína tentativa para estancar a suga de imigrantes africanos com cérebros. E que os líderes africanos se tenham preocupado mais uma visão assistencialista do que construtiva do seu futuro.
[Baseado na nossa crónica transmitida na rúbrica Ao Calor de África da RDP-África de 20 de Novembro de 2006]

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Assim nem visto

Duas notas para imaginasticar:
1. Os filhos dos outros
Embaixada de Portugal em São Tomé e Príncipe nega concessão de vistos a estudantes nacionais bolseiros. Dizem as vítimas: os filhos dos ricos já estão em Portugal; mas eles, os filhos dos pobres (os mesmos pobres cuja a alma e o voto se tenta comprar em cada eleição) continuam no país, de visto negado e taxas pagas com um sacrifício que não lhes será devolvido. Palavras para quê? Num país em que o mérito insiste em ficar ausente das políticas e o dinheiro (para uns escasso e vital) se instala como via de segregação social (muito ao jeito e conveniência da classe instalada), não custa acreditar no lamento dos bolseiros.
2. Ditâmes diplomáticos!
Perante a total falta de uma política diplomática portuguesa vertebrada que permita dignificar Portugal e os seus parceiros lusófonos, o embaixador português em São Tomé não resistiu em evangelizar:
- há vários ministérios interlocutores. Isso cria embaraços na consideração de vistos. Seria melhor que houvesse só um intelocutor e não diversos intelocutores (blá blá blá) Nós prefiriamos que tudo estivesse concentrado num só ministério, disse em sermão dirigido ao "venerando Governo" santomense. Perante isto (que em boa diplomacia exigia aquele dito puxão de orelhas diplomático, o da ingerência), o Governo tarda em exigir explicações, colocando a questão nos seus devidos termos. E assim se vai construindo uma diplomacia com um sem número de teias de aranha que, povoando as mentes de uns e outros, tardam a desprender-se de complexos antigos.

quarta-feira, 22 de novembro de 2006

Chão que já deu uvas

Ou como o MLSTP perdeu a oportunidade de imprimir um paradigma de mudança

Modo de entrar: Desculpe, importa-se de repetir? «A Comissão Política do MLSTP/PSD, convencida de subscrever essa opinião consensual dos seus dirigentes, militantes e amigos, encarregou a Comissão Permanente de sondar e sensibilizar o Camarada Manuel Pinto da Costa, no sentido de uma vez mais, trazer o seu valioso contributo à liderança do Partido», (copy paste da Moção da dita comissão aprovada em 18 de Novembro de 2006). A ver se percebi bem: a Comissão Política do MLSTP está interessada em enviar uma sonda para convencer o seu líder histórico e carismático, para quem ainda não sabe, aí vai: Manuel Pinto da Costa, sim, o mesmo (the one and only, o tal e único) para que este regresse ao leme do partido. Espero, por isso, pelo lançamento da dita sonda (de resto, com os dedos cruzados em fé, - granda fezada) fazendo votos para que não se perca no tempo/espaço e que à laia dos aparelhos do mesmo tipo lançados por aí pela NASA não se espere mais 10 ou 15 anos pelo retorno da boa nova. Adiante,

Abstract e uma palavra de amigo: Caro leitor, se não tiver paciência para ler este texto de fino pavio, perderá momentos de mordaz humor, digo eu, mas a culpa e a preguiça serão suas. Inda assim como sei ou imagino que o caro leitor se interessa por estas coisas da política santomense nem que seja para me arrear um valente tareão de bocas e impropérios. Ou mais seriamente, com palavras de séria crítica temperada por pretensos recalcamentos que eu tenha a propósito do tema, vou avisando e poupando-me da tal sova, (não te importes com a familiaridade do tu, porque na verdade só espero que eu seja mesmo lido pelos meus amigos e conhecidos, assim tomo a liberdade do abraço pelo tu) - se és fã dos visados, não me leias porque tens mais que fazer do que perder o teu tempo com a minha temperança literária Se de outro modo continuares, depois não me digas ah e tal não concordo, falas demais, dizes maldades, isso não se faz e outras coisas que me aborrecem e dão bocejo porque perdem o sentido crítico, porque eu bem avisei. Para aqueles que conseguirem vencer a preguiça, deixo aqui o meu resumo das demais linhas que se seguem: Manuel Pinto da Costa é uma terceira via niilista: não representa nada nem traz nada de novo. No entanto, devido ao estado comatoso do MLSTP, não resisto a juntar-me ao apelo comissionista. Camarada Costa, o partido precisa de si. Venha a acabe com isto de uma vez! Ah, e como reza o mítico refrão despojado de qualquer significado real, Camarada Costa, muito obrigado. (Mas entenda V. Exa. o meu sarcasmo e não se vá pela seriedade do intento)
Em busca da compreensão de tudo isto: o «porque não!» Entremos a trote, recapitulando a história e pondo rigores de parte para não me maçar (não julgues, leitor, que me importo com a tua maçada; se quiseres saber os tintins e confissões políticas empenha-te na leitura de Comrades, Clientes and Cousins, em português Camaradas, Clientes e Compadres, obra de grande fôlego de Gerard Seibert. Não está lá tudo mas pouco falta e se comprares a versão inglesa tens a história até 2005 se não, cala-te que não ouvirei os teus lamentos pela minha falta de rigor histórico, não estou para isso, estou nos mais ou menos isto, a minha intenção o meu grande plano e nada mais), dizia: o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (vulgo MLSTP ou Glorioso para os mais íntimos), hoje MLSTP-PSD (dizem os ditos que se lê Partido Social Democrata, mas estou convencido que na verdade bem superficial da coisa PSD quer dizer Partido Sem Destino) resultou esse dito do Congresso de Santa Isabel realizado em Julho de 1972, por aqueles que depois vieram a ser cognomeados os da Geração de Santa Isabel, tendo dele saído como líder Manuel Pinto da Costa em aclamação consensual e provisória, a prazo (hoje sabemos isso, porque Seibert deu-se ao trabalho de investigar e publicar o que num desassosego da história o nosso camarada ex-pres confessou a um jornal em 1995). Mas por trocas da história, o provisório cristalizou-se e Pinto logo em 1975, com o poder acabado de ser entregue pela Revolução de Abril, tornou-se Presidente da República de São Tomé e Príncipe; lugar que ocupou até 1991. O querido líder (sem querer ofender Kim Jong Il, mas sem prescindir de alguma comparação) teria então 37 anos quando se sentou no poder. Durante esse tempo foi acumulando a Presidência do país com a liderança do partido na diarquia-monolítica (então natural) Partido-Estado, ou Estado-Partido (coisas da história) Correndo um pouco: ventos da mudança interna ou sinais do tempo, a tempestade democrática exigiu e ele (louvado seja e até que enfim) retirou-se do poder político responsável e escrutinável, tendo passado o bordão do poder a outro que, noutro registo (também ele pecador contra-natura nesse novo regime) continuou práticas de governação por mares não navegáveis nem desejáveis em democracia. De lá para cá, nunca mais se ouviu falar em grandes méritos do timoneiro. Está bem e admito que durante o seu principado o glorioso, abusemos da ironia, lá ganhou umas eleições, tendo até conseguido os seus maiores scores nas asas do seu mando: 46,1% (legislativas: 1998) e 39,6% (legislativas: 2002). Pessoalmente, no entanto, Pinto da Costa averbou duas derrotas frente aos até agora únicos presidentes que se lhe seguiram: Miguel Trovoada, a quem resistiu até a 2.ª volta, tendo-se ficado pelos 47,2% na 2.ª volta (estávamos em 1996) e no reencontro eleitoral de 2001, o querido líder e o seu glorioso aparelho não evitaram o embate contra o furacão Fradique (então ainda em formação), que atirou o líder para os tão-só e dolorosos 39,8%, tendo aquele ganho – para espanto de todos e do próprio – pelos expressivos 55,1%. Dito doutro modo do período colonial e monolítico: sobreviveu-lhe o mito do conciliador, do unificador, do sei lá o quê que povoa as mentes dos pouco dados à história ou, pelo menos, aos métodos então utilizados para construir o mito ou, sem ofender a intelectualidade estabelecida, refiro-me aos que preferem acreditar que o dito senhor foi um homem bom para a nação e para o partido: o resultado está a vista, tanto no país como no próprio glorioso, anafado de glórias passadas. Dispenso comentários adicionais. O resto da história é sobejamente conhecida, mas sublinhe-se as passagens: Pinto retirou-se da liderança do partido e legou-lhe uma liderança a prazo (parece que gostam do prazo com a breve esperança de que este se estenda eternamente). Mas se entendesse o seu próprio glorioso, Posser da Costa saberia que lhe bastaria uma mão para contar os dias que lhe restavam: estava tudo cozinhado. Durou até a segunda investida do furacão Fradique, que desta vez arrasou o glorioso do mapa político, relegando-o para a oposição (perdeu quatro na tempestade trópico-eleitoral) e para uma câmara municipal (dispenso lembrar que perdeu também o governo regional do Príncipe). E a isso tudo, o velho timoneiro, desculpe o líder eterno, assistiu de camarote (seria capaz de jurar de pés juntos, joelhos dobrados e palmas das mãos firmemente coladas que às tantas ouvi alguém recostar-se no sossego de um camarote e pedir uns amendoins enquanto se divertia a gosto, é que a cena, senão fosse patética seria divertida, imaginação minha, por certo, não é atitude de líder um tal distanciamento magestático). E nesse tempo, em momento algum se lhe viu apoio ao partido ou apelo ao voto na ridícula corrida presidencial que o partido (no sentido mecânico do termo: quebrado) travou, tendo patrocinado ou melhor avalizado outro candidato com tudo para falhar: alguns até berravam qual Tarzan que o dito candidato é o que o país precisa, em marca de branqueamento de consciência, de resto típica no M, quando anos antes também estes mesmos juraram que o tal candidato e o seu cândido pai seriam o oposto daquilo que o país precisava, ainda mais apoiando - o tal de português que não pode ser presidente e se envolviam eles mesmos na contenda. Enfim, entenda quem quiser, quem não os conhecesse que os comprasse. O certo é que o povo soube reconhecer o método e pelos vistos não foi na cantinela de mercador Voltemos ao líder enquanto tal: alguém lhe conhece uma ideia, um escrito (ainda que em rolo de papel), um projecto (ainda que um debuxo: um esboço), uma preocupação para além da de não querer morrer na praia como uma onda ou gritar «aí vem lobo» sem nada mais adiantar? Talvez os mais íntimos conheçam! No entanto, a comissão política do MLSTP consegue ver o interesse do país (porque o MLSTP ainda é um partido de poder; será que eu devia sublinhar o ainda?, e por isso, o líder interessa ao país).
A armadilha da história: o ADN do M
Ora bem, vejamos então as três tendências, alas como lhe apelidam os analistas, do partido da grande glória: de um lado, os conservas, ditos conservadores que se entrincheiram no deixa tudo como está e vamos repartindo despojos, porque vistas as coisas nada há de novo para conquistar; de outro lado, os renovas, ditos renovadores que vão fazendo birra e entre renovação e repetição escolheram o nome que mais esconde a verdade da sua natureza: mais do mesmo, falta de vista longa; e por fim, os pintinhos, que se alinham de ala a ala com o líder pois este federa, impõe respeito e faz a bendita ponte de benesses entre uns e outros. Assim foi deste o princípio e assim será até que a morte os separe. Nomes à parte, gente da mesma espécie sem qualquer vontade de mudança, sem golpes de asa e pouca leitura da realidade política do país. Mas inda assim não resisto a um relance mais aproximado para ver o desfecho disto tudo. Se Pinto ressurgir das cinzas, (ao menos lance um livro antes, umas memórias que já disso é tempo, qual Santana, o Lopes, também cadáver que revirou gente, mesmo misturando mitos com cabalas e conspirações a que já nos habituou) Dizia, se Pinto renascer, continuará a haver renovas que lhe darão a contradita dia sim dia não, numa espécie de exercício em lume brando, para cozer bem mais uma conspiração contra; e este, o querido líder, tudo fará para que a sua reserva ideológico-carismática, a sua aura, a única coisa que possui de relevante, prevaleça, sem quaisquer preocupações de acertos sincrónicos com a sociedade santomense. E lá mais adiante, por fim, dêem-lhe corda, vai tentar "construir” mais um delfim (sucumbindo ele aos tais tiques históricos que é incapaz de desenvencilhar, vês porque não prescindo da comparação com o tal líder coreano?), numa espécie de Posser Reloaded que, como naquele filme, tomará o poder e pouco depois cairá duro na praia como uma onda, sem espuma, branca, um quase-político, uma quase-nada, um faz de contas. Caros membros do Bureau, digo, da Comissão, a alternativa seria esta: não apostar em Pinto da Costa, mas sim em outras candidaturas. Mas lendo o vosso ADN (ácido desoxirribonucleico, código genético) logo concluo que candidaturas alternativas só podem ser de dois timbres: pró- ou pseudo-pintistas (vindo dos conservas e que na realidade não querem Pinto, querem-se a si mesmo e o nome de Pinto para dar jeito, um espécie de freto-pintismo - Toma cuidado com a esparela, camarada. Na verdade estes teus amigos não te querem de coração, querem ver-te pelas costas e em passo de corrida, como aquelas a que nos habituaste no sossego da madrugada; querem é que não os estorves na sua caminhada malandra; mas tu sabes disso, tenho a certeza) ou anti-pintistas (vindo dos renovas). Não sabem que o partido tem responsabilidades e deve ter um rumo para lá de ti e das tácticas personalístico-ambiciosas. Mas isso é pedir demais e o que, analisando a por detrás da encenação se prepara para acontecer: vinde César que os teus próprios senadores te cravarão o punhal nas costas, e gritarás como o imperador, tu quoque?, também tu?, restando-te saber quem será o teu Brutus. Numa palavra, não há alternativa ao Pinto. E Pinto não é alternativa a longo prazo. Dito de outra forma, mais agradável, evocando o poeta: é preciso que Pinto venha para tudo ficar na mesma. Ó gente de pouca visão. Sela!
Metendo a viola no saco para me retirar que se faz tarde:
MLSTP é uma carcaça (eu disse carcaça?, queria dizer barcaça mas fica o dito pelo bendito carcaça, digo) Barcaça velha que anda sem rumo! Pinto é uma espécie de condenado ao leme do barco na esperança de o levar ao seu destino único: uma rodada de financiamentos com tachos a cavalo para o pessoal; e no caminho algum apaziguamento interno (mas poucochinho, vendo bem as coisas pelo que se assistiu em 1986/1987-1990 e 2004/2005, pelo que está no seu ADN). Ou seja, Manuel Pinto da Costa é chão que já deu uva: foi um homem do seu tempo (idos e não saudosos) e hoje não representa nada do que o país reclama: visão, competência e objectivos (predicados que o sujeito nunca demonstrou ou se o demonstrou não foi por motivos que a história lhe mostraria gratidão, e isso nem quando teve oportunidade, nem quando a quis ter para o fazer). Se voltar, Pinto da Costa fará o papel de equilibrista de circo interino para adiar que efeito deste lodo. No fundo, o M (de Manuel?, de MLSTP? de Militantes?) falhou o momento de imprimir um paradigma de transformação trans-histórica que o prende aos seus momentos de glória passada, e que graças à forçada unidade estado-partido-sociedade talhou mitos que, numa sociedade que tarda a tomar consciência do seu presente e do seu futuro, conforta o M. Nisso, M. esqueceu-se de que o futuro só se faz dissolvendo a mentalidade mística e apontando o caminho para a frente (doloroso bem sei) mas enfrentando as escolhas que o país e o partido têm de fazer. Adiar essas escolhas é mais um sinal de orfandade, de menoridade e de refúgio no passado. Não me alongo mais, mas ainda me resta tempo para cair no também velho e enraizado cliché, - Cada povo, no caso o mlstpista, tem a classe política que merece…
Saindo de cena:
O autor faz questão de honra em declarar que não é militante, nem simpatizante sequer (mas também não enfileira nas hostes dos que odeiam); também não pretende qualquer tacho (por menos envenenado que seja o rótulo) nem muito menos no seu melhor juízo acha que as lebres de corrida à presidência do glorioso representam qualquer coisa de renovador, num sentido epistemológico revolucionário/evolutivo. Na verdade, enquanto cidadão com apenas dedo e meio de testa, o autor destas linhas está convencido que o seu interesse pelo país é título q.b. para se pronunciar sobre esse assunto. Portanto, fica o aviso: procurai ódios noutra destilaria.

domingo, 19 de novembro de 2006

Áffrica e china a caminho da Rota da Seda

Reflexões em torno de um neo-mercantilismo cínico
Seis anos após a Declaração de Beijing, a China voltou a receber – com pompas e circunstâncias nunca antes vistas – a cimeira de líderes do Fórum de Cooperação China-África. À mesa dos negócios e cooperação foram trocados presentes ao contento. Do lado africano ofereceram-se as matérias-primas necessárias para alimentar a crescente indústria chinesa e o acesso aos mercados africanos dos produtos acabados chineses. Do lado chinês, prometeram-se milionários pacotes de construções e financiamentos “low cost”, sem quaisquer preocupações políticas, de direitos humanos, sociais ou ambientais. Ou seja, de um lado e de outro, vence o cinismo político em nome de um paradigma de benefícios mútuos e de não interferência nos assuntos internos, mesmo quando estes contrariam as mais essências normas de convivência social. Porém…, nesta nova rota da seda, o défice comercial africano cresce de ano para ano, e não se vê preocupações com a implementação de medidas de verdadeiros benefícios mútuos. Na verdade, a China encontrou em África uma nova parceria para os seus interesses geopolíticos e económicos, em tudo baseados no velho pensamento mercantilista. Nesta relação de desiguais, resta aos líderes africanos encontrarem o caminho africano para a China: um caminho que tenha mais a ver com as suas necessidades e interesses, nomeadamente na criação de empregos e transferência de tecnologias. É por isso necessário aprender com a história: enquanto África não estiver disposta a ir para além dos pacotes financeiros e de um modelo neo-mercantilista cínico, o seu lugar no comércio internacional apenas dependerá do interesse que as potências concorrentes têm nos mercados primários africanos.
[Crónica transmitida na rúbrica Ao Calor de África da RDP -África de 6 de Novembro de 2006.]

1% de responsabilidade

DESTA vez é que é! A acreditar nas declarações da Ministra das Finanças santomense, São Tome e Príncipe está a 1% do sim ao perdão da dívida. Na verdade a ministra afirmou que o Governo cumpriu 99% dos critérios impostos pelos donos internacionais do país (Banco Mundial, FMI, Clube de Paris). Ou seja, nas minhas contas de leigo, o governo deixou apenas 1% ficou por fazer… E esses 1% farão toda a diferença. Na passada sexta-feira uma equipa de peritos do Bretton Woods deixou São Tomé e Príncipe depois de avaliar se os tais 99% dos critérios foram cumpridos satisfatoriamente de modo a impedir a inflação de continuar a fabricar pobres ou de degradar os salários de quem trabalha. No fundo, depois de avaliar se o menino está a tomar o remédio receitado. Se o perdão for concedido, os santomenses não terão motivos para desafogo: é preciso continuarem de cinto apertado, confessa a ministra, porque o país não produz riqueza, esclarece em desabafo íntimo aos jornalistas. Por isso, entendo que embora não sejam estas as intenções da ministra, o 1% que ela insinua faltar é um convite aos santomenses para que estes possam fazer o que o governo não pode por eles: decidir que futuro querem para São Tomé e Príncipe e que papel estão dispostos a assumir. Quando os peritos do fundo monetário elaborarem o seu relatório, os 99% da parte do Governo e da Assembleia Nacional poderão ser suficientes para o perdão. E se assim for, os credores internacionais não deixarão aos santomenses apenas um perdão da sua dívida: deixarão aos santomenses os essenciais 1% de responsabilidade pelo seu futuro.
[Desenvolvi este tema na emissão do Debate Africano de 19 de Novembro, 2006]